Nova casa

Após mudança, índios reclamam da falta de ajuda

Aldeia de caingangues, instalada há quatro meses na região da Cascata, pede mais atenção do Poder Público

Jerônimo Gonzalez -

Distantes 30 quilômetros do centro de Pelotas, 16 famílias indígenas da tribo caingangue enfrentaram o inverno rigoroso deste ano sob lonas. Divididos em uma área de 7,5 hectares de campo, na colônia Santa Eulália (Cascata), aproximadamente 53 indígenas lutam para resgatar a memória de sua tribo e preservar suas origens. Com a mesma energia, resistem às privações que o sistema lhes impõe. A batalha por dignidade permanece. Na segunda-feira completam-se quatro meses da transferência do local onde estavam, em frente ao Terminal Rodoviário, para a zona rural.

O cacique Alcir Salvador, 52, lamenta a falta de assistência do Poder Público, em todas as esferas. Ao receberem a área do Executivo, acabaram afastados da população. Distanciamento que dificulta a conquista de clientes para seu artesanato, carregado de elementos culturais - atualmente, único meio de subsistência de todos. “O município tem que reconhecer a gente. As pessoas têm que conhecer a gente. Hoje somos discriminados, desprezados. Machuca o coração indígena”, desabafa o líder. Apesar do novo endereço, quase nada mudou na vida deles. Sob as lonas, as famílias possuem poucos móveis e eletrodomésticos - cama e roupeiro, por exemplo, não há. Improvisam o básico, como o modo de preparo de alimentos.

Sem coleta de lixo regular, crianças, adultos e idosos ainda convivem com o acúmulo de sujeira. Além disso, as 53 pessoas na área dividem apenas um banheiro. “Parece que o município nos deu essa terra e abandonou, como se tivesse feito um favor a nós. Eu vim daqui, minha pele tem a cor dessa terra”, sustenta Salvador. No entanto, a responsabilidade constitucional de acolhimento dos indígenas não é da prefeitura, mas da União - embora a prefeitura tenha concordado em acompanhar a saúde da aldeia.

O secretário de Justiça Social e Segurança de Pelotas, Luiz Eduardo Longaray, afirma que uma assistente social faz visitas quinzenais ao assentamento. A Administração também abriu vagas para as crianças, matriculadas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Garibaldi, na Colônia Maciel. E na Unidade Básica de Saúde da Cascata os indígenas podem fazer consultas e solicitar exames. “A gente não pode ofertar a eles o que não oferta para outras pessoas daqui. O município abraçou uma causa que não é dele”, ressalta Longaray.

Assistência
Coordenador do Núcleo de Advocacia Popular da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), o professor e advogado Reinaldo Tillmann enviou ao Ministério Público Federal (MPF) ofício que solicita à instituição cobrar ações efetivas da Funai - responsável pelas políticas gerais de sustentabilidade do assentamento indígena -, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) - que responde pelas políticas de saúde e saneamento -, e da prefeitura de Pelotas - comprometida em priorizar uma política de saúde na localidade. O documento foi protocolado no último dia 13 ao procurador federal Max Palombo, que está analisando as questões. A comunidade aguarda repasses do kit moradia, obrigação do governo federal por meio do Bolsa Família. Nessa sexta-feira uma reunião com a Funai, em Porto Alegre, deveria resultar na deliberação dos kits. As peças, todavia, são de uso provisório - trata-se de uma estrutura de madeira com somente um cômodo; sequer possui banheiro ou cozinha. Assim, enquanto os índios aguardam entrega da Funai, Tillmann relata que seu grupo de estudos, junto a outros profissionais e instituições, tenta negociar financiamento para a construção de casas populares, onde eles poderão morar. Com experiência em trabalhos com assentados, esta é a primeira vez que a equipe trabalha com indígenas.

Alternativa de trabalho
Por um acordo com Secretaria de Cultura (Secult), todos os sábados os indígenas saem da zona rural e carregam os artesanatos que produzem até o Mercado Central, na parte da tarde. Entretanto, a medida nem sempre é rentável, pois eles fazem o trajeto de ônibus, cujo valor da passagem chega a R$ 8,00 - valor mínimo de alguns artefatos comercializados por eles. Tillmann afirma que o grupo está em tratativas com a Secult para garantir o transporte entre a Cascata e a cidade. Outra negociação em andamento trata do envio de sementes e maquinário, pela Fundação Casa, e de orientação por parte da Emater em relação ao manejo na lavoura. O cacique Alcir - chamado Kafar em caingangue - assegura que sua comunidade não sairá de Pelotas. Uma postura que, conforme Tillmann, demonstra a luta por preservar sua história. “Hoje os indígenas vivem na pobreza e na dependência do Estado. Mas eles sabem que seus antepassados estiveram aqui, então não sairão. E o que muita gente não se dá conta é que preservá-los é também preservar os nossos antepassados”, conclui o coordenador do Núcleo de Advocacia Popular da UCPel.

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